sábado, 7 de janeiro de 2012

A guerra

Era o 18º dia de ocupação das tropas nizan na nossa cidade. Já não aguentava mais o confinamento do nosso esconderijo e as provisões estavam acabando. Precisava sair e procurar alimentos e roupas, mas não queria deixar meus filhos sozinhos. Já havia sido muito díficil para eles ficarem dentro de um jazigo, mas era a única forma de deixa-los em segurança, não me perdoaria se algo acontecesse a eles.
Nesta noite teria que sair e ver o que estava acontecendo, expliquei aos meninos que iria procurar alimento e que deveriam permanecer em silêncio, dei uma dose maior de calmante para minha bebê, para que dormisse tranquila, esperei que o silêncio da noite chegasse para sair.
Vi o medo e a insegurança nos olhos do Lorenzo e o pavor no olhar de Jean, mas não havia jeito de voltar atrás. Me despedi deles com um sorriso e disse que ficaria tudo bem. Antes do amanhecer estaria de volta. Senti vontade de chorar quando abracei aqueles corpinhos magros e frágeis, mas tinha que ser forte,  eles precisavam de mim.
Consegui sair do cemitério escondida e a cidade estava totalmente deserta, nem as luzes haviam sido acesas, mas meus olhos já estavam acostumados à escuridão, andando alerta pelos becos consegui chegar ao nosso prédio, fiquei alguns minutos escondida na esquina, até me certificar que não havia ninguém ali. Tudo estava silencioso e as vezes passava uma facho de luz de algum holofote em procura de alguém.
Mas não me pegariam. Não. As crianças precisavam da mãe e conseguiria voltar.
Sorrateiramente entrei no apartamento, as portas haviam sido arrombadas, assustei com a aparência do interior, tudo destruido, todas as nossas coisas, as nossas lembranças, tudo em pedaços, o computador estava aos cacos no chão, nos quartos até os colchões haviam sido retalhados.
Com o coração em frangalhos, dolorido, comecei a procurar alguma coisas que tivesse se salvado da fúria dos nizans...
Meio escondida, fui até a janela, a cidade abaixo parecia deserta, uma vila fantasma... A vida que pulsava neste lugar já não existia mais, até o ar parecia oprimir o peito.
Não podia me demorar, consegui em meio à bagunça, encontrar algumas peças de roupas que não haviam sido totalmente destruidas, conseguiria dar um jeito nelas se achasse meu cestinho de costura.
Entre as espumas do colchão, achei um coelhinho de pelúcia da Mila, ela iria ficar tão feliz com aquilo que  tive que colocar na bolsa... Na esperança que tivessem deixado alguma coisa entrei na cozinha, mas já não havia nada comestível, tudo até mesmo minhas vasilhas e meus elétrodomésticos tinham desaparecido.
Já estava chegando a porta para voltar, quando um brilho no chão chamou a atenção.
Que alegria! Meu cestinho de costuras, iria remendar as roupas das crianças.
Desci pelas escadas do fundo. Nosso prédio fazia divisa com um grande supermercado que funcionava 24 horas, mas que parecia estar abandonado.
Já estava voltando para a rua, quando percebi que realmente aquele estabelecimento estava fechado.
Num momento de loucura decidi voltar e entrar. Jamais roubei qualquer coisa de alguém, mas tudo que ainda tínhamos naquele buraco, era um mísero pacote de biscoitinhos de coco. Não iria desperdiçar tudo o que passamos e agora morrer de fome, iria fazer o fosse preciso.
Pela escada do prédio, escalei o telhado do mercado e consegui escorregar pelo duto de ventilação. Achei que seria mais árduo, mas o medo e a fome, deram forças para entrar.
As gôndolas e prateleiras, estavam quase vazias, encontrei um saco de lixo preto e fui enchendo de comidas, água mineral, meu Deus, minha boca até secou de tanta sede. Precisava sair logo dali, ao passar perto da porta, para surpresa minha estava aberta, pensei ser uma armadilha, fiquei esperando que a qualquer momentos os soldados atirariam em mim.
Mas nada aconteceu, já ia saindo quando vi uma luz forte vindo pela rua, me escondi atrás de um dos caixas e fiquei espiando.
Os guardas passaram com as lanternas poderosas e continuaram em frente.
Era minha deixa, com o saco pesado amarrado as costas e a mochila com as roupas no peito, sai para voltar ao nosso refúgio.
Depois de deixar centro da cidade, já não havia tantos motivos para me esgueirar pelos cantos e comecei uma corrida desenfreada. O coração parecia que ia sair pela boca, quando vi o portão enferrujado do velho cemitério. Consegui. Estamos salvos.

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